Arqueologia Brasileira, Museu Nacional do Brasil (Restauração Digital)

O acervo da arqueologia brasileira reuniu um vasto conjunto de artefatos produzidos pelas pessoas que habitavam o território brasileiro no período pré-colonial, com mais de 90.000 itens, sendo considerado o acervo mais abrangente existente em sua tipologia. Constituída desde o início do século XIX, a coleção começou a ser sistematicamente reunida a partir de 1867 e foi continuamente enriquecida até hoje, através de coleções de campo, aquisições e doações. Consiste em artefatos de todas as regiões do Brasil, produzidos ao longo de um período de mais de dez mil anos.

Dos habitantes mais antigos do território brasileiro (grupos caçadores-coletores e hortícolas), o museu conservou vários artefatos produzidos em pedra (sílex, quartzo e outros minerais) e ossos, como pontas de projéteis usados ​​na caça, lâminas de machado polidas e outras ferramentas feito para gravar, raspar, esculpir, moer e perfurar, bem como artefatos e ornamentos cerimoniais. Objetos de madeira, fibras e resinas, embora provavelmente também produzidos por esses grupos, não resistiram à ação do tempo e estavam praticamente ausentes na coleção, exceto por peças isoladas – a saber, um cesto de palha coberto por resina, apenas parcialmente preservado, encontrado no litoral sul do brasil.

No núcleo relacionado aos povos sambaquieiros, como são chamadas as populações de pescadores e coletores que habitavam a costa centro-sul do Brasil entre oito mil anos atrás e o início da era cristã, havia um grande conjunto de traços de depósitos constituídos de aglomerados de materiais orgânicos e calcários – chamados sambaquis. Parte dessas peças veio da Coleção Arqueológica Balbino de Freitas, listada pelo IPHAN na década de 1940. O museu mantinha duas cópias de recortes de sambaquis e um grupo de remanescentes esqueléticos desses sítios arqueológicos, além de uma coleção variada de testemunhos da cultura sambaquieira, cobrindo artefatos de uso diário (recipientes, tigelas, argamassas e pilões esculpidos em pedra) e ritualístico (estatuetas). Nesse contexto, os chamados zoolitas, esculturas em pedra para uso cerimonial, com representações de animais (peixes e pássaros) e figuras humanas, destacaram-se por sua técnica elaborada.

Sambaquis

Ao longo da costa estreita e recortada da costa centro-sul do Brasil, no estuário, rico em peixes, moluscos e crustáceos, as populações de pescadores e coletores viveram entre 8 mil anos atrás e o início da era cristã. Seus vestígios podem ser vistos em grandes colinas feitas de areia, terra e conchas – os chamados sambaquis – onde podem ser encontrados restos de comida, ferramentas, armas, adornos e os enterros daqueles que moravam lá. Essas colinas, com alturas variáveis, têm alta visibilidade e se destacam na paisagem costeira.

Embora existam do Rio Grande do Sul até a Bahia, é no estado de Santa Catarina que os sambaquis são os mais numerosos. Lá, encontram-se sambaquis que atingem até 35 metros de altura, o que demonstra que eles devem ter ocorrido em condições extremamente favoráveis ​​ao modo de vida de seus construtores. Embora seu uso cotidiano da cultura material fosse muito simples, na costa central esses grupos produziam objetos cerimoniais muito elaborados de pedra e osso, com refinamento estético e sofisticação artística: os chamados zoolites.

Cesto de palha
Esta cesta foi revestida internamente com resina, apenas parcialmente conservada. É uma peça rara, devido à dificuldade de preservar materiais orgânicos em climas tropicais. Pertence à coleção Balbino de Freitas e foi coletada em um sambaqui não identificado na costa central do Brasil.

Zoolita em forma de peixe-gato
A peça apresenta uma pequena depressão situada quase sempre na região ventral dos animais representados, que se supõe ter sido destinada ao processamento de substâncias capazes de produzir estímulos sensoriais, utilizados em cerimônias e ritos.

A peça apresenta uma pequena depressão situada quase sempre na região ventral dos animais representados, que se supõe ter sido destinada ao processamento de substâncias capazes de produzir estímulos sensoriais, utilizados em cerimônias e ritos.

Cultura Marajoara

A cultura Marajoara foi a que atingiu o mais alto nível de complexidade social na pré-história brasileira. Essa complexidade também se expressa em sua produção cerâmica, tecnicamente elaborada, caracterizada por uma grande diversidade de formas e decorada com diligência. As peças exibidas aqui estão relacionadas a práticas cerimoniais. Alguns foram encontrados em contextos funerários, outros provavelmente foram usados ​​em ritos de passagem.

A iconografia Marajoara – fortemente centrada na figura humana e na representação de animais da floresta tropical cercada de significados simbólicos – compõe um sistema intrincado de comunicação visual que é composto de simetrias, elementos emparelhados, repetições rítmicas e oposições binárias para reafirmar, transmitir, e perpetuam uma visão particular do mundo.

Urna
Peça excepcional por suas dimensões, esta urna cerimonial apresenta uma superfície totalmente coberta por decoração plástica feita com uma técnica de excisão 272, em motivos geométricos e representações de seres híbridos que misturam características antropomórficas e zoomórficas.

Arte Funerária
Com pintura vermelha sobre fundo branco, é apresentado um corpo profusamente decorado pela técnica de excisão, com variações em torno da figura humana estilizada e dos motivos geométricos. Urnas funerárias elaboradas como essa, em geral contendo objetos de prestígio em seu interior, foram provavelmente destinadas a indivíduos de status social distinto na sociedade Marajoara.

Vaso Antropomórfico
Neste uso cerimonial, o tema das duas serpentes – recorrente na iconografia marajoara, talvez relacionada a algum mito – aparece em relevo, formando um rosto humano. As duas cabeças representam os olhos. Seus corpos compõem as sobrancelhas típicas em forma de V. Um botão na junção das duas caudas configura o nariz. A protuberância, banhada em branco, é decorada com formas geométricas incisivas.

Recipiente
Taça cerimonial decorada internamente com pintura policromática, em vermelho e branco sobre fundo branco, com motivos geométricos e representações estilizadas da figura humana. A borda não pintada recebeu sua decoração em relevo, com representações de serpentes e rostos humanos exibidos alternadamente. A parte de trás da peça apresenta uma decoração plástica exuberante com motivos geométricos feitos com a técnica de excisão.

Estatueta oca em forma de um falo
Esta peça cerimonial parece ter sido quebrada de propósito – o que era uma prática frequente na sociedade Marajoara – talvez para impedir sua reutilização. Com os olhos em forma de escorpião, um atributo recorrente nas figuras antropomórficas associadas aos xamãs, na testa alta e encerada, com um formato de cabeça que sugere uma deformação craniana, a estátua foi decorada com pintura facial e corporal em motivos geométricos vermelhos sobre fundo branco. A iconografia Marajoara, atestada pelas características desta peça, indica que as mulheres ocupavam posições de status elevado, que em outras culturas são geralmente reservadas aos homens.

Tanga
Pintadas de vermelho e preto sobre fundo branco, essas capas de sexo feminino foram modeladas individualmente, seguindo a anatomia pubiana de seus portadores. Os padrões geométricos, muitos dos quais correspondiam a representações estilizadas da figura humana, preenchiam seus quatro campos decorativos, que em alguns exemplos são reduzidos a apenas três. Enquanto a banda superior varia pouco, a banda seguinte e a inferior apresentam maior variabilidade. O campo maior, central, nunca se repete. Em cada uma das extremidades são apresentados orifícios para amarrar, muitos deles desgastados pelo uso.

Pequeno receptor antropomórfico
Decorada com formas geométricas feitas com uma técnica de excisão, esta peça, de uso cerimonial, provavelmente serviu para a ingestão ou inalação de substâncias capazes de produzir fortes estímulos sensoriais, utilizados em rituais comunitários.

Peça antropomórfica em forma de falo
O corpo e a cabeça, que apresentam as sobrancelhas típicas em forma de T, foram decorados com motivos geométricos feitos com a técnica de excisão.

Cultura de Santarém

As peças existentes nos museus vêm em grande parte de coleções e escavações realizadas sem controle em seu maior sítio arqueológico, onde hoje se localiza a cidade de Santarém, o que impede a compreensão de seus contextos. Mesmo assim, são uma importante fonte de conhecimento sobre a complexa sociedade que os produziu, pois são testemunhos de suas práticas sociais, formas de construção corporal e conceitos cosmológicos.

Na região do baixo rio Tapajós, floresceu um chamador de cultura Santarém, notável pela produção de cerâmica com um estilo muito peculiar, baseado no uso de técnicas de modelagem, incisão, linhas pontilhadas e aplicação. Descritas desde o século XIX por naturalistas e viajantes que percorreram a área, suas formas revelam composições elaboradas, contendo uma profusão de apêndices de animais da floresta tropical, que constituem verdadeiras esculturas concebidas de maneira naturalista.

As estatuetas antropomórficas também se destacam pelo naturalismo na representação de homens e mulheres, portando atributos que permitem a identificação de emblemas de prestígio e posições sociais. Na verdade, pouco se sabe sobre essa cultura, uma vez que escavações arqueológicas sistemáticas só começaram a ser desenvolvidas nos últimos anos. As peças existentes nos museus provêm, em grande parte, de coleções e escavações realizadas sem controle em seu maior sítio arqueológico, onde hoje está estabelecida a cidade de Santarém, o que impede a compreensão de seus contextos. Mesmo assim, constituem uma fonte importante de conhecimento sobre a complexa sociedade que os produziu, em quanto prestam testemunho de suas práticas sociais, modos de construir o corpo e concepções cosmológicas.

Vaso Antropomórfico
Vaso cerimonial que representa uma figura feminina sentada, com pernas dobradas, totalmente coberta por pintura corporal com motivos geométricos em preto e vermelho sobre fundo branco.

Estatueta feminina antropomórfica
Peça excepcional por suas dimensões, ao lidar com uma representação feminina, que em geral é de menor tamanho. Os membros inferiores estavam hipodimensionados, enquanto os superiores se apresentavam atrofiados. Com os olhos fechados na forma de grãos de café e a boca em uma expressão de bico, freqüente em outras representações antropomórficas dessa cultura, a figura possui vários atributos: um encobrimento genital na forma de uma tanga, lóbulos perfurados, grinalda cabelos penteados, adornos nos braços e traços de tinta vermelha e preta no corpo, que permitem supor um status social distinto. Existem orifícios circulares em diferentes pontos do corpo: narinas, orelhas, axilas, vagina e solas dos pés. Uma peça restaurada, com peças ausentes.

Vaso antropomórfico representando um homem sentado
A postura corporal, os lóbulos perfurados e outros ornamentos sugerem que esse indivíduo que apresenta membros atrofiados, principalmente os inferiores, tinha uma posição social distinta. Peça restaurada, com falo fraturado e ausente.

Cabeça da estatueta feminina antropomórfica
De olhos fechados na forma de grãos de café, típicos da cultura de Santarém, essa cabeça, destacada do corpo, apresenta vários atributos: além dos adornos para as orelhas, os cabelos eram penteados com cuidado e ostentavam elaborados adereços para a cabeça. capa de nuca e coroa de flores adornadas com três cabeças de morcego de cada lado. Apresenta orifícios circulares nas narinas e orelhas.

Vaso
Vaso cerimonial decorado com incisões e relevos geométricos, com figuras antropomórficas e zoomórficas exibidas alternadamente.

Muiraquitã
Os muiraquitãs – comuns na forma de sapos e, mais raramente, de pássaros, peixes e outros animais – eram fabricados quase sempre em pedras verdes, com jadeites, nefrites e amazonites.

Utilizados como pingentes, também aparecem adornando fones de ouvido femininos em estatuetas de cerâmica de Santarém. Rodeados de lendas, os muiraquitãs são, de longa data, considerados poderosos amuletos contra todos os tipos de maldições. Parece que Santarém era o seu centro de produção, embora houvesse uma considerável dispersão de peças desse tipo, talvez como conseqüência do extenso comércio e disseminação ideológica. Essas redes chegaram à região do Caribe, onde artefatos produzidos em Santarém podem ser encontrados.

Cultura Maracá

Dentro das cavernas e abrigos subterrâneos da região do rio Maracá, foram encontrados vários cemitérios que mantêm numerosas urnas funerárias em locais muito visíveis. Impulsionando e inspirando respeito naqueles que entram nesses espaços destinados aos mortos, as pesquisas atestam o vigoroso culto aos ancestrais praticados por essa cultura. Eles reproduzem figuras humanas masculinas e femininas em uma posição hierática – sentadas em bancos na forma de animais quadrúpedes – demonstrando que são enterros de indivíduos de alto status. A cabeça, na forma de um cone truncado, corresponde à tampa da urna, fixada ao corpo cilíndrico por meio de furos de amarração. Uma de suas características mais notáveis ​​é a posição extrovertida e não natural dos cotovelos. Pinturas de rosto e corpo em padrões geométricos em branco, amarelo,

No interior de cavernas e abrigos submersos na região do rio Maracá, foram encontrados vários cemitérios que mantinham numerosas urnas funerárias em locais muito visíveis. Causando impacto e inspirando respeito àqueles que entravam nesses espaços, destinados aos mortos, as urnas atestam um vigoroso culto aos antepassados ​​praticado nessa cultura. Eles reproduzem figuras humanas masculinas e femininas em posições hieráticas – sentadas sobre bancos em forma de animais quadrúpedes – demonstrando que eram enterros de indivíduos de alto status. A cabeça, na forma de cone truncado, corresponde à tampa da urna, fixada no corpo cilíndrico através de orifícios de amarração. Uma de suas características mais notáveis ​​é a posição extrovertida e antinatural dos cotovelos. Pinturas faciais e corporais em padrões geométricos nas cores branco, amarelo, vermelho e preto, bem como adornos na cabeça e nos membros, expressavam a identidade social dos mortos.

Urna funerária antropomórfica
A peça aqui apresentada é uma das menores já encontradas. Embora as dimensões dessas urnas sejam variáveis, oscilando entre 20 e 85 cm de altura, esta cai muito abaixo do tamanho médio.

Cultura Konduri

Na região dos rios Trombetas e Nhamundá, existem inúmeros locais de uma cultura que, apesar de manter intenso contato com Santarém, desenvolveu características próprias, evidentes em sua cerâmica exuberante, com decoração entalhada e pontilhada e em seus raros artefatos com pintura policromada .

Rio Trombetas

O rio Trombetas forma uma importante fronteira cultural com a região de Santarém. De seus arredores, artefatos raros são esculpidos em pedra polida. Alguns representam seres da natureza, como peixes, outros trazem representações de seres híbridos, como homens sentados sob o disfarce de xamãs, às vezes sobrepostos por grandes predadores. Jaguares e outros animais eram seres míticos para essa cultura, cujos rituais envolviam processos de transformação. Alguns artefatos para uso cerimonial exibem cavidades, sugerindo que foram usados ​​para processar substâncias alucinógenas, o que confirmaria seu contexto xamânico. Todos eles têm dois grandes orifícios circulares de função desconhecida.

Outras culturas

Lâminas de machado
Os eixos semilunares foram produzidos por grupos hortícolas na pré-história brasileira, em diferentes matérias-primas, para fins cerimoniais.

Ponta do projétil
Pontas de projéteis com pedúnculo e barbatanas de pederneira e quartzo hialino, fabricadas e utilizadas por grupos caçadores-coletores da pré-história brasileira.

O Museu Nacional também mantém os únicos registros de múmias indígenas encontradas em território brasileiro. O material é constituído pelos corpos de uma mulher adulta, com aproximadamente 25 anos de idade, e de dois filhos, um na altura do pé, estimado em 12 meses de idade, embrulhado em um fardo, e o outro recém-nascido, também embrulhado em um fardo. e posicionado atrás da cabeça da mulher. O conjunto mumificado é composto por indivíduos que provavelmente pertenciam ao grupo Botocudos (tronco Macro-jê). Foi encontrado na Gruta da Babilônia, na cidade de Rio Novo, interior de Minas Gerais, nas terras da fazenda de Maria José de Santana, que as doaram ao imperador Dom Pedro II. Dom Pedro concedeu a Maria José o título de Baronesa de Santana.

Museu Nacional no Rio de Janeiro
O Museu Nacional, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é a instituição científica mais antiga do Brasil que, até setembro de 2018, figurava como um dos maiores museus de história natural e antropologia das Américas. Está localizado dentro do parque Quinta da Boa Vista, na cidade do Rio de Janeiro, sendo instalado no Palácio São Cristóvão.

O Museu Nacional / UFRJ faz parte do Ministério da Educação. É a instituição científica mais antiga do Brasil e o maior museu de história natural e antropologia da América Latina. Fundada por D. João VI em 6 de junho de 1818, e inicialmente sediada em Campo de Sant’Anna, serviu ao país para promover o desenvolvimento cultural e econômico do país.

Originalmente chamado Museu Real, foi incorporado à Universidade do Brasil em 1946. Atualmente, o Museu faz parte da estrutura acadêmica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O Museu localizado no Paço de São Cristóvão, de 1892 – residência da Família Imperial Brasileira até 1889 – conferiu-lhe um caráter diferenciado se comparado a outras instituições da região. É o mesmo lugar em que a família real viveu há tantos anos (onde D. Pedro II nasceu e a Primeira Assembléia Constituinte Republicana), e hoje é a interface entre memória e produção científica.

O Museu Nacional abrigava uma vasta coleção com mais de 20 milhões de itens, abrangendo alguns dos registros mais relevantes da memória brasileira no campo das ciências naturais e antropológicas, bem como conjuntos de itens amplos e diversos de diferentes regiões do planeta, ou produzido por povos e civilizações antigas. Formada ao longo de mais de dois séculos através de coleções, escavações, trocas, aquisições e doações, a coleção foi subdividida em coleções de geologia, paleontologia, botânica, zoologia e antropologia biológica (incluindo os remanescentes do esqueleto de Luzia nesse núcleo). fósseis nas Américas), arqueologia e etnologia. Foi a base principal da pesquisa realizada pelos departamentos acadêmicos do museu – que desenvolve atividades em todas as regiões do país e em outras partes do mundo, incluindo o continente antártico. Possui uma das maiores bibliotecas especializadas em ciências naturais do Brasil, com mais de 470.000 volumes e 2.400 obras raras.